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quarta-feira, 3 de março de 2010

VAZÃO DE CULPA

- Simão! Onde estás? Simão!

           A voz já repetira o chamamento ínúmeras vezes e nada, nem ninguém lhe respondia. Só o silêncio da noite escura como o breu persistia ao seu redor.
           Escuridão realmente medonha, de escassos vultos mais escuros ainda, de esparsas árvores espalhadas pela campina.
           Um grito rouco, desespero, em horror e medo, com a mulher correndo às cegas, na visão do instinto.
           Brutal tropeço, ela tomba, de cara no chão, sentindo em seu rosto a grama  úmida e fria, convulça num choro apavorado.
           Escuridão...solidão, e o abandono de um corpo fustigado que beija o capim rasteiro a altura dos seus cabelos. Há uma espera, longa espera, no silêncio que inda perdura, em seus ouvidos tenta captar um movimento, um som qualquer.
           Levanta-se na ânsia de não estar alí, e corre, tropeça, cai de novo e chora de novo, com sua mente principiando a desvairar, os sentidos já confusos, dum terror que se expande ante a violência do medo.
           Subitamente, o silêncio é quebrado, seu coração disparando em fremitos adoidados, ao som desconhecido, estridente, incálido, pavoroso, sutilmente humano, saído lá do profundo da noite.
            Paralisada, deitada ainda, a mulher esperou, suando, em pânico. Mas, nada. Tudo voltara a ser silêncio, agora sitiante, se esparramando por toda a campina ao derredor. Então, ela, que mantinha os olhos abaixados, atreveu-se a erguê-los, e notou, percebeu, viu...os olhos, um par de olhos frios que resplandeciam, denotando ódio e virulência, dentro da noite...
            Descontrolou-se de vez,  a mulher, implodiu a razão, grita já quase louca, sua consciência em culpa.
- Não! Simão, não! Não fui culpada, sempre me forçaram...
            E, então, maciamente, a mente tem oscilações que a razão desconhece, com a voz tremendo, lança o pedido, que para si própria, acredita, impossível.
- Acredita-me...
            E gritando.
- Acredita-me Simão!
          O par de olhos lá, permanecidos quietos, sem piscar, fixos. Mas, logo, o som obscuro, humano/inumano, ouviu-se novamente, terrorífico no meio da escuridão nefasta, como se fora um habitante identificado com a noite.
            Na mulher, a mente sitiou-se em perdição, desenfreou a jogar suas culpas, em dizeres que nunca obtiveram respostas...mas o olhar lá, estático e gélido.
            O desespero afinal lança o grito do reconhecimento derradeiro.
- Mata-me, é verdade, sou culpada. Ah, sei que sou imoral.
            A mente está enlouquecida pelo medo...
- Eu é que sempre os procurei...e fui de teu irmão também. Maldito, esperastes muito por esta hora, não é!? Sabias que ela iria chegar e que eu ainda, um dia, ficaria prostrada a tua vontade. Vamos, aproveita agora, mata-me...mata-me...mata-me.
            Calando-se, o silêncio persistia na noite...esbravejou.
- Covarde!
            Troçando, irônica.
- Sempre humano! Maldito hipócrita, não vês que sou tua dor, teu desespero, tua desonra. Não vês que esta é a tua oportunidade de te livrares de mim...Sim, pois não te perderás como das outras tentativas aos meus encantos, quando capitulavas sempre entre meus braços, em soluços, na fraqueza e na paixão que te arrazavam. Mata-me!
            Súbito, um mero movimento no escuro...mero roçar de pés no chão...e o medo, saltando do sumo da razão, libertando a fera dentro da mulher, deu-lhe forças e ela saltou por sobre o vulto que pensava ser Simão.
            Baque surdo, mãos homicidas tomam daqueles olhos, o corpo e os tentam estrangular, ferir, matar. O corpo permanece rijo, sólido, mas os olhos se fecham ao contato das mãos, uma garganta é macerada num frenesi de morte...
            A comoção é demais, a mulher desmaia, seu corpo vai ao chão.
            ...mais tarde.
            Na mamhã quente de um sol acordando o dia em alvorada, com a mulher entreabrindo lentamente os olhos, sentindo-ce viva, movendo as mãos, tonta ainda, vê o corpo rijo, alí, a sua frente, manchado de sangue...um palanque perdido na campina, saldo abandonado de antiga lavoura.
            E os olhos, alí, entre suas mãos, esbugalhados...inocente coruja que lhe acometera pavor.
            Suspira, ri, e estremece, ante o gozo de ainda poder desfrutar seu viver e suas conquistas junto a fortuna de Simão.
            Então, desapercebido, seu olhar busca o horizonte, deparando-lhe a descoberta atroz: ...Simão!

            ...Simão que a passos lentos se afastava.
NOTA: Este conto foi originalmente publicado junto ao livro de poemas, Chora Solidão, fato que eu não repetiria nos dias de hoje.

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Quem sou eu

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Sou Nedi Nelson, como profissional abraço a contabilidade e nesta me realiza a auditoria; como pessoa sempre sublimei ler e escrever, a poesia é lugar comum, hoje vivencio o romancear; como hobby e paixão descobri as orquídeas, o estudo, o cultivo e por fim o descortinar de suas florações..e eis que minha alma transcende o poetar. Viver o entreabrir de uma orquídia me é palco sensível para deixar fluir o poema. A idéia é criar três seções específicas, uma para partilhar a palavra escrita, seja por meio de poemas, contos ou romance, estejam publicados ou não, que venham a ser publicados ou não; outra para cultuar, via fotografias e textos, as minhas orquídeas; e outra para falar de minhas viagens, via fotografias e textos, seja quando a trabalho nos contextos da auditoria, em minhas folgas, seja especificamente a lazer .

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