Cotidiano Face 36
Hoje, neste Cotidiano vou lhes
contar uma história, na verdade trata-se de uma experiência relativamente
macabra porque passei. Sem exageros
todavia, porque estou bem e até mais esperto e lúcido, pois sobrevivi, não é
mesmo, afinal estou aqui lhes contando a história...
A foto abaixo é do cabideiro, só para dar uma idéia do quadro numa mente meio adormecida...
*
Volto de viagem, quando chego
em casa já é quase uma da manhã, e, confesso, estou absolutamente me sentindo
esgotado fisicamente, pois além da viagem desgastante, vim de BH, encarando
conexões demoradas, a semana foi bastante operosa.
Como sempre sou recebido com
muita alegria pelos meus cães, mas desta vez a festa é bem pequena, logo me
recolho e vou buscar a tão bem vinda cama caseira.
Jogo a mala num canto, a bolsa
do note acima da escrivania, já no meu quarto, roupas são retiradas as pressas,
um pijama buscado aleatoriamente, vestido quase sem percepção do que fazia, sem
atentar a nadica de nada e caminha...antes mesmo de contar a terceira divã
imaginária fui abençoado pelo sonífero apaziguador do sono.
Como pude verificar depois, ai
pelas quatro da madrugada, fui acordado de repente, pelo alarido nervoso dos
meus cães, algo ou alguém os estava deixando muito irritados.
Em meu quarto, que fica no
segundo piso da casa, existem duas portas, uma de persiana, toda fechada e
outra com duas abas, com vidros, que dão para uma cobertura descoberta. Como a
mesma é protegida por grades de ferro de boa espessura e muito resistentes, via
de regra é desta forma que as mantenho. Percebem que a noite, de dentro do
quarto, permaneço numa penumbra bem escura, mas com um visor bem iluminado
para a parte de fora do imóvel. Seja pelo luar ou por luzes de lâmpadas que
ficam acesas a noite, lá no pátio, aos fundos.
Casualmente no instante em que
despertei eu estava dormindo sobre o ombro direito, portanto de frente para a
porta e sua luminosidade...abri meus olhos e foi como se uma alucinação me
paralisasse os sentidos, estanquei, silente e pasmo, sem acreditar no que via.
Entre minha cama e a
luminosidade externa, a beira dela, um vulto de médio porte humano, com um
chapéu na cabeça, parecendo estar meio encurvado, me observava em silêncio.
Estático.
E os cães lá embaixo, latindo
nervosamente...
Minha primeira reação foi
sentir meu coração explodir em batidas frementes e descompassadas, em meu corpo
uma rigidez tomou conta e me prendeu sob as algemas do medo e de um horror que
eu jamais havia concebido pudesse sentir em minha vida. Senti-me absolutamente
refém da situação. Pois o vulto permanecia ali, ainda estático, como se dono
inquestionável da situação.
Eu confesso, não conseguia me
mexer, apenas encarava o vulto e meu coração, bum, bum, bum, bum, bum...
Sou um cara relativamente
forte, de posse de boa agilidade, mas não consegui atinar pensar com clareza,
penso eu, durante um minuto, mais ou menos, e, olha, existem momentos, como
comprovei, que isso é tempo
demais...
E o vulto ali, ainda me encarando!
Então, numa lentidão pasma,
minha mente aflorou e me informou:
- Hei, tu tens uma pistola ai
ao lado, dependurada no abajur ao lado da cama.
Ao entender a mensagem, muito
vagarosamente, comecei a distender meu braço esquerdo que estava sob as
coberta, em direção a pistola. Põe lentamente nisso...
Ela fica num coldre de se usar
abaixo do braço, logo é destravar a presilha que a prende e ela cai na sua mão,
foi o que fiz quando consegui empalmá-la. De presto a arma caiu na minha mão,
empunhá-la foi questão de costume, rápido.
Então, tudo aconteceu muito
rápido, dei um salto para os pés da cama, tendo jogado as cobertas na direção
do vulto, que pareceu sentir a ação, pois se moveu, cai meio ajoelhado no piso
do quarto, com a pistola já sendo engatilhada e mirando o peito que parecia se
avolumar a minha frente.
Primeiro instante, fiquei ali,
mira em riste, possesso.
Segundo instante, uma imagem
surreal acabara de se formar a minha frente, e em mim uma risada nervosa se
transformou numa gargalhada tresloucada.
Eu quase acabara de atirar no
meu cabideiro de chão, pior, quase tivera um infarto ou me borrara por causa de
um cabideiro. Um cabideiro de três andares, tomado de mantas e cintas nos dois
cabides inferiores e laterais, com chapéus nos superiores laterais e no da parte alta central. Imaginem a forma, imaginem o vulto contra a
luz exterior num quarto as escuras.
Culpada, minha secretaria que,
na limpeza de fim de semana, o trocara de lugar, tirando-o do seu lugar usual,
junto a parede que fica na continuidade da porta envidraçada, e, portanto,
longe de formar imagens surreais. E eu não o percebera.
Fica a lição, ou o
reaprendizado, somos produto de medos ancestrais,medulares, em nossa
imaginação, de um nada podemos criar horrores.
Eis uma história em que a
imaginação alterou uma realidade trivial, na percepção de uma mente embebida de
sono, ou, seria, apenas imaginação de uma mente criativa.
---vai saber!
Erechim/RS, 13 de agosto de 2014.